Diane Pereira Sousa é a presidente do Instituto Comunitário Baixada Maranhense, uma fundação comunitária que utiliza os recursos locais do estado mais pobre do Brasil para atender às prioridades de desenvolvimento dos residentes. Em 2018, ela foi eleita Empreendedora Social Ashoka por seu trabalho utilizando esportes para o desenvolvimento positivo da juventude. A IAF fornece assistência financeira ao Instituto Baixada desde 2020.
O que a filantropia comunitária significa para você?
Para mim, a filantropia comunitária é uma nova ferramenta para refletir sobre desenvolvimento, com uma perspectiva humana.
No Instituto Comunitário Baixada Maranhense, sempre dizemos que investimos em pessoas que mudam realidades. Ajudamos as pessoas a definir o que querem dizer com “desenvolvimento” e o que querem dizer com “transformação”, porque a transformação pode parecer algo grande demais para ser abordada. Ajudamos as pessoas a descobrir exatamente o que buscam: não apenas que tenham acesso à educação, por exemplo, mas que possam obter uma boa educação que lhes dê acesso a um emprego sólido e que lhes proporcionem uma vida digna. Essa linha de pensamento faz com que as pessoas iniciem um processo para alcançar seus objetivos. Se não fizermos uso dessa análise, estaremos dando às pessoas apenas um refresco para aliviar o calor, mas o calor continua.
A filantropia comunitária reconhece que o desenvolvimento já existe em realidade nas comunidades. Embora muitas entidades sejam responsáveis por promover o desenvolvimento comunitário, as próprias comunidades são as que assumem a liderança. Investimos em um trabalho que já está acontecendo. O Instituto Baixada não poderia fazer isso sozinho. A Fundação Interamericana ou os governos locais não poderiam fazer isso sozinhos. Mas mesmo sem nós, muitas comunidades já estão progredindo com seus planos de construir um centro comunitário, montar uma cooperativa de café ou dar reforço escolar para jovens.
Por exemplo, há um grupo de líderes negras que faz artesanatos com barro. Sozinhas, elas vêm gerando desenvolvimento para suas comunidades por 200 anos. Agora nós estamos ajudando com a doação da IAF. Temos que aprender com essa história, com essas mulheres que são chefes de família, líderes nas suas comunidades e trabalham sozinhas sem nenhuma ajuda por muito tempo.
As pessoas que trabalham em políticas públicas estão investindo muita energia, pensamento e recursos para mudar as coisas, como aumentar o número de pessoas negras que frequentam a universidade. Na filantropia comunitária, também estamos pensando sobre uma maneira de construir essa transformação junto às comunidades. Por exemplo, estamos começando com jovens que estão tentando entrar na universidade e descobrindo o porquê: onde eles querem chegar? Muitos estão estudando administração de empresas porque querem ser empreendedores. Estamos trabalhando diretamente com as pessoas para descobrir que suporte adicional necessitam para atingir suas prioridades a longo prazo. Não vamos apenas trabalhar com jovens universitários, mas vamos acompanhá-los para que obtenham financiamento para iniciar e expandir seus negócios.
Como a filantropia comunitária se desenvolveu no Brasil?
Vou contar um pouco da minha vida para que entendam melhor. Sou do interior do Maranhão, de uma cidade chamada São Bento. Cresci em uma família chefiada principalmente por mulheres, em uma comunidade onde as pessoas não tinham muitos recursos. Minha avó vendia plantas em casa, e a vizinha vendia arroz. Eu raramente via dinheiro físico, como moedas, notas, mas eu via trocas. Eu sempre via minha vó sair com arroz e voltar com farinha, e a mãe dos meus amigos também. Então cresci em um contexto cheio de solidariedade e empatia. Essa é a raiz da filantropia comunitária. As pessoas davam coisas uns aos outros voluntariamente, sem esperar retorno, porque percebiam que faltava algo para alguém. Se eu visse alguém comendo algo que normalmente se come com farinha sem farinha, eu lhe dava um pouco de farinha. Cresci nessa comunidade de mulheres vendo as pessoas viverem assim, porque não tinham dinheiro. A sociedade girava em torno das mulheres, que tomavam decisões juntas, como para qual escola mandar os filhos.
Sei que o termo “filantropia” está intimamente relacionado à caridade, quando não é de base comunitária. Mas gosto de pensar na filantropia como algo que vai além da caridade. Quando doamos como caridade, estamos caracterizando a pessoa que recebe como carente de algo: “Estou trazendo amor em forma de arroz, coitada.”
Mas a filantropia não foi inventada por um empresário rico. As pessoas já estavam lá, cooperando umas com as outras. A filantropia não deve ser algo que visa separar cada um de um lado. Em vez disso, devemos estar todos do mesmo lado, apenas vestindo roupas ligeiramente diferentes. A filantropia surge do apoio verdadeiro entre as pessoas – pessoas iguais, não ricas e pobres.
O que traz você ao campo da filantropia comunitária e sua função atual?
Quando eu tinha 13 anos, uma organização sem fins lucrativos chamada Instituto Formação desenvolvia programas sociais em 10 cidades diferentes na região que chamamos de Baixada Maranhense. A minha cidade, São Bento, foi uma dessas cidades. Nos cinco anos seguintes, eles me treinaram em participação cívica. Eu era membro do quarto grupo de jovens que eles treinaram, e os jovens de grupos anteriores estavam pensando em como levar esse trabalho adiante. Sabíamos que o Instituto Formação atuaria na área por apenas 10 anos. Houve muitas discussões, estudos, viagens e trocas. Juntamente com a Formação, esses jovens decidiram criar o Instituto Baixada, não como uma organização sem fins lucrativos padrão, mas como uma organização filantrópica comunitária. Ela seria composta por pessoas da Baixada, para pessoas da Baixada. Aos 18 anos, fui trabalhar na Formação construindo tecnologias sociais [abordagens para resolver os desafios de curto prazo das pessoas]. Eu desenvolvia soluções, como um campo de futebol portátil que as escolas poderiam montar caso não tivessem um espaço para seus alunos praticarem esportes. Fiz uma incubadora de projetos juvenis em 2018 e fui reconhecida como empreendedora social pela Ashoka. Nesse mesmo ano, me tornei também associada da Baixada e depois superintendente. Sou graduada em Direito e tenho Mestrado em Direitos Humanos. Atualmente, estou estudando três assuntos que se aplicam ao meu trabalho: juventude, educação alternativa e desenvolvimento comunitário.
Então, deixei de trabalhar principalmente em tecnologias sociais para trabalhar com a filantropia comunitária. A diferença é que, embora a filantropia comunitária possa usar e se basear em tecnologias sociais, ela tem uma visão muito mais ampla e de longo prazo. Enquanto uma tecnologia social pode encontrar uma solução para que as mulheres possam economizar tempo no transporte dos seus produtos artesanais para o mercado, a filantropia comunitária daria um passo para trás e perguntaria: “por que as mulheres estão trazendo seus produtos para o mercado dessa forma? Há outros mercados que seriam melhores para elas?”
Para onde você vê o setor da filantropia comunitária indo em um futuro próximo?
O setor está passando por uma grande mudança no sentido de reconhecer as comunidades como sujeitos ativos do desenvolvimento. Essa mudança não pode ser adiada, pois as comunidades devem participar ativamente das propostas do seu próprio desenvolvimento. Para que as comunidades cresçam, algumas pessoas podem precisar abrir espaço voluntariamente, recuando ou abrindo espaço de outra forma. O setor da filantropia comunitária crescerá muito. Espero que o crescimento seja pensado para as comunidades do ponto de vista do seu potencial, não da sua vulnerabilidade.
Também gosto de como estamos mudando o foco da filantropia comunitária do financiamento externo para como as comunidades estão tornando o desenvolvimento uma realidade. Parte disso está em se afastar de financiadores maiores para ter mais indivíduos colaborando. Acho que isso crescerá como um movimento. No Instituto Baixada, nós só existimos porque pessoas do nosso estado estão ajudando pessoas do seu próprio estado. Por exemplo, temos um laboratório de multimídia em Itamatatiua. Precisamos de 100 reais [aproximadamente US$ 19] por mês para pagar a Internet. Dez pessoas da Baixada doam 10 reais [US$ 2] todo mês para termos Internet, e isso está acontecendo em outras seis comunidades. Estamos falando de pessoas que ganham um salário mínimo de cerca de 1.200 reais por mês [US$ 230] apoiando jovens que eles nem conhecem para que tenham recursos para estudar. Acho que o crescimento das doações individuais vai ser forte nos próximos cinco anos. O que estamos dizendo é que todo mundo é investidor, seja dando 10 ou 10.000 reais. Temos desenvolvido uma tecnologia para ajudar a promover essa atitude, um sistema de crédito em que os juros que você devolve no seu empréstimo são reinvestidos em outros. Acho que isso realmente muda sua perspectiva e nível de envolvimento. Você começa a ver os outros como aliados no seu esforço.
Muito obrigado, Diane! Estamos ansiosos para ver o que acontecerá a seguir no setor da filantropia comunitária.